domingo, 7 de setembro de 2008

Políticos recorrem a “forças ocultas”

Políticos recorrem a “forças ocultas”



Publicada: 07/09/2008

Texto: Célia Silva/Foto: Jorge Henrique

Em busca de voto, candidatos políticos usam de artifícios diversos, até mesmo aqueles sobrenaturais. Corpo-a-corpo, bandeiras nas esquinas, santinhos e outdoors ganham reforço dos banhos de ervas e despachos encomendados em terreiros de Umbanda e Candomblé. Por um trabalho espiritual, chegam a pagar R$ 2 mil. Mães-de-santo e sacerdotisas relatam que políticos que não querem saber de derrota têm procurado com mais freqüência os terreiros para encomendar trabalhos e oferendas. “Eles procuram. Uns porque acreditam nisso e outros porque, na dúvida, é melhor não arriscar”, disse a sacerdotisa de um templo de Umbanda.

O dono de uma banca de ervas no Mercado Thales Ferraz, Centro de Aracaju, José Reis, conhecido no local como “Reizinho”, disse que os políticos não se preparam apenas no período de campanha. “Eles já vêm se preparando há um ano e meio, dois anos, para quando chegar perto da eleição estar em dia com as obrigações”, falou.

O pedido das ervas é feito por telefone e a entrega distante do ponto de vendas. Tudo muito discreto. “Eles ligam, encomendam e vou entregar ali mesmo, na avenida”, disse, sem revelar o nome dos clientes. Falou apenas que hoje atende 30 candidatos a uma vaga ao Legislativo e até ao Executivo.

A maior parte dos pedidos é de ervas para banhos de limpeza espiritual. “É para afastar as mazelas e ficar mais leve para o eleitorado”, complementou. No pacote levam arruda (protege e limpa o ambiente carregado espiritualmente), alecrim (calmante e traz sucesso na empreitada assumida) e canela (que atrai prosperidade).

Pode ser também o tipi, cipó de alho, quarana, poejo, girame e a folha de vick, tudo para afastar mal-olhado. Segundo ele, são usadas geralmente sete ervas. Reizinho disse ainda que esses são alguns dos ingredientes dos banhos de descarrego e cheiroso. “Os banhos não fazem mal a ninguém e só atraem energias positivas, por isso recomendo para afastar mal-olhado e proteger os candidatos”, disse. Tem também a opção de defumadores e pós, o que pode elevar o preço para até R$ 20.

Sacrifício de animais

Mas o valor dos banhos não chega nem perto de um trabalho feito em terreiros de Candomblé. As oferendas com sacrifícios de animais, que têm o desagravo das entidades que cuidam dos bichos (ver boxe), são as mais caras e segundo uma ialorixá chega a custar R$ 2 mil, cada trabalho. “Tem um que fez na última eleição cinco despachos, e venceu. Ele já está no poder há muito tempo, sempre com a ajuda das entidades”, falou.

Negociante de animais no Mercado Albano Franco, Valdice Kosane disse que a procura por bodes e galos aumentou bastante desde que iniciou a corrida eleitoral. “Vendia três bodes por semana. Agora tem dono de terreiro que compra dez de uma só vez”, falou. Só neste final de semana, vendeu os 11 que tinha no boxe do mercado para ialorixás de dois candidatos.

A sacerdotisa de uma casa de Umbanda destacou, no entanto, que a espiritualidade não é para
ser buscada com a finalidade de prejudicar o adversário político ou de barganhar votos de eleitores. “Não pode ser usada para isso, a não ser a espiritualidade menos evoluída, e aí acredito na lei de causa e efeito que o mal feito a outro terá um efeito igualmente negativo”, destacou. Para ela, os terreiros que adotam essa conduta e que sacrificam animais não são nem de Candomblé nem de Umbanda, mas de magia negra que nada têm a ver nem com uma nem com a outra religião. “Quem pratica são aqueles que não têm responsabilidade nem consigo mesmo nem com a espiritualidade”, acrescentou.

Consultas aos búzios

Um babalorixá dirigente de um terreiro de candomblé na periferia de Aracaju disse que antes mesmo de começar a campanha foi procurado por algumas pessoas que queriam saber dos búzios se valeria a pena enveredar pela política. “Duas delas vi que não tinham futuro nenhum na política, mas uma vi claramente que será eleita. Essa aceitou as ordens dos búzios e está em plena campanha. Vai ganhar”, assegurou. Tornou-se freqüentador do centro e já encomendou alguns trabalhos a entidades como Exu (entidade controversa dentro das religiões afro-brasileiras, é o Demônio nos cultos afro-brasileiros, segundo o Dicionário de Folclore). É respeitado, temido e para se conseguir qualquer coisa é preciso fazer o despacho de Exu, conhecido como o homem das encruzilhadas. Além dos despachos, toma regularmente, por recomendação do babalorixá, banhos de ervas.

Em outro terreiro, na zona norte de Aracaju, uma mãe-de-santo disse que recebeu nesses últimos dois meses dez candidatos a vereador que vieram se consultar e pedir auxílio às “forças ocultas”. “Todos querem vencer as eleições. Pedem trabalhos fortes, não se importam quanto têm que pagar, e pedem também os banhos de proteção”, revelou. Mas, segundo ela, nem todos esses sairão vitoriosos. “Tem dois dos que atendo que as entidades já me avisaram que está muito difícil ganhar, pois para quebrar a força dos adversários mais próximos deles precisa de muita coisa”, disse.

Segundo ela, as entidades que mais ajudam nesse tipo de trabalho são os mestres e os exus. A mãe-de-santo explicou que os exus podem fazer serviços tanto para o mal quanto para o bem e que são responsáveis pelo contato entre o mundo celeste e o terreno. É para eles, geralmente, que são oferecidos os trabalhos nas encruzilhadas e que se utilizam de animais sacrificados (ver boxe), além de velas, marafo (cachaça), ervas, charutos e cigarros. São acondicionados ainda nos agridaus (pratos de barro) frascos de perfume, milho e dendê.

Campo vibratório


De acordo com a médium, na última eleição para vereador um candidato a procurou para levar o adversário mais próximo dele ao fracasso. “Ele disse que estava sofrendo com as investidas desse candidato que estava atuando no mesmo bairro que ele e me pediu para quebrar as forças dele. Fiz e deu certo”, assegurou.

Mas para uma sacerdotisa de um templo de Umbanda, o mal só atinge o outro se o destinatário do trabalho se encontrar na mesma faixa vibratória que o emissor. “Ele pode realmente receber a carga negativa, desde que esteja no mesmo campo vibratório, que não tenha uma moral elevada para rebater o mal que foi direcionado a ele”, falou.

Animais são sacrificados

A fundadora da Associação de Proteção aos Animais, Sivonete Maria Alves Reis, já recolheu muito animal debilitado em encruzilhadas ou próximos a locais de despachos. O último recolhido foi um galo com corte no pescoço onde foi introduzida a foto de três mulheres. O animal não resistiu e morreu. “É muita perversidade e para mim quem faz esse tipo de coisa, tanto quem fez o trabalho como quem encomendou, é gente pequena, sem formação”, opinou.

Ela contou que esse galo estava junto a um agridau com os pés amarrados, sujo de dendê, cuscuz e com um pequeno corte no pescoço. “Levei para casa e quando estava limpando para tirar o óleo percebi um canudinho no pescoço. Quando puxei, vi que era a foto de três mulheres”, relatou.

De outra feita, retirou de um ebó um gato preto com dendê e uma vela introduzida no ânus do animal. “Esse não teve jeito. Tivemos que dar uma injeção para sacrificar, pois o bichinho estava sofrendo muito e já estava morrendo”, falou.

Mais recentemente, avistou um pombo próximo ao lago que existe perto da casa dela, no Mosqueiro, zona de expansão de Aracaju. “Ele estava perto do lago, olhava para a água e para o milho que eu jogava, mas não comia. Peguei o pombo e vi que estava com uma fita no bico que impedia que se alimentasse. Essa fita amarrava ao bico da ave o nome de uma mulher e uma jura de amor. Mas que amor é esse que faz um animal morrer de fome e de sede? Isso é maldade!”, falou.

Garis sem medo dos ebós


Nas ruas para recolher o lixo produzido em Aracaju, os garis já estão acostumados a mandar para os caminhões coletores os feitiços encontrados nas encruzilhadas e em outros locais ermos usados para fazer os despachos. A Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), responsável pelo serviço na capital, não sabe quanto retira todos os dias das ruas restos de ebós, mas sabe que a quantidade tem aumentado nesses últimos dois meses.

O local preferido dos terreiros que realizam esses trabalhos é no Centro Administrativo, por detrás do Hospital João Alves. Segundo uma mãe-de-santo, o lugar é deserto, sem construções altas, além de ter uma encruzilhada perfeita. Lá, a equipe do JORNAL DA CIDADE encontrou esta semana mais de dez agridaus com aves, bode e até com um cachorro morto.

A equipe de limpeza da Emsurb não recolhe o lixo no Centro Administrativo e segundo a assessora de Comunicação da empresa, Mayusane Matsunae, o local onde os garis mais encontram despachos são na rua da Marina (rua que dá acesso ao local onde é armada a árvore de Natal da Energisa, na Coroa do Meio) e no cruzamento da avenida Maranhão com Euclides Figueiredo, na zona norte de Aracaju.

Ela disse que na maioria das vezes são os moradores, incomodados com o mau cheiro, que ligam para a Emsurb pedindo a retirada do despacho. “Eles ficam com receio de pegar e chamam a Emsurb”, disse. Segundo a jornalista, esse medo não atinge os garis, que além de recolherem o material muitas vezes, quando ainda há serventia, acabam levando para casa.

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